Com 46 anos de Embrapa, Antonio Rosa guarda o ensinamento: a pesquisa começa no produtor e deve terminar no produtor
O Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte – CNPGC, com assinatura síntese, Embrapa Gado de Corte, já se encontrava no organograma da recém-criada Embrapa, cuja primeira diretoria foi empossada em 26/4/73. No entanto, não se sabia ao certo onde deveria ser instalado.
Com a herança do antigo Instituto de Pesquisa Agropecuária do Oeste (IPAO), vinculado ao Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação Agrícola (DNPEA), (Fazenda Modelo, de 1.620 hectares (ha) e Campo Experimental de Terenos, de 60 ha) e a possibilidade de troca de uma área do Ministério da Agricultura no centro de Recife (PE) pela antiga Coudelaria do Exército em Campo Grande (MT/MS), com uma base física de 3.081 ha, a região sul do Estado de Mato Grosso apresentava ainda a vantagem de se constituir em destino mais promissor do movimento de expansão da pecuária de corte. Ante esses argumentos e contando com parecer favorável do Presidente da República Ernesto Geisel, Campo Grande acabou vencendo a disputa com outras pretendentes: Uberaba (MG) e Planaltina (GO).
Tudo começou tranquilamente, sem pompa, mas com uma energia muito positiva que reverbera até hoje. Na cerimônia de fundação, no dia 28 de abril de 1977, a Embrapa Gado de Corte teve a honra de contar com as presenças do presidente Geisel, do ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, dos diretores da Embrapa e do governador do Estado de Mato Grosso, Garcia Neto, dentre outras autoridades e representantes da classe produtora.
Figura marcante desta época foi a do doutor José Mendes Barcelos, nosso primeiro chefe-geral. Homem experiente, simples e pragmático, ele não cansava de repetir a nós, jovens pesquisadores recém-egressos das Universidades: “a pesquisa deve começar no produtor e terminar no produtor!”. Ou seja, a prospecção das demandas deveria ser feita junto ao setor produtivo e a pesquisa só poderia ser considerada concluída quando as soluções chegassem ao campo, proporcionando os resultados almejados. Nossa Unidade, portanto, já nasceu com uma notável mentalidade inovadora!
Nossa primeira missão foi a de acabar com a fome do gado no período da seca, mas fizemos muito mais!
Logo em 1980, três anos depois da fundação, já se falava em feno em pé e integração lavoura-pecuária. Em 1984 foi lançada a primeira de uma série de 14 variedades de braquiária: a marandu! Neste mesmo ano, foi publicado o primeiro trabalho de avaliação de touros de caráter nacional, pioneirismo da parceria da Embrapa Gado de Corte com a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, embrião dos atuais sumários de touros. Mais tarde vieram nesta série os Programas de Avaliação de Touros Jovens (1992) e Embrapa-Geneplus (1996). Em 1985 as pesquisas de nutrição provocaram uma verdadeira revolução na suplementação mineral somando-se a esta, a partir de 2003, as misturas múltiplas, reunidas na expressão “Boi verde-amarelo”. Na área de saúde animal foram destaques os controles estratégicos de verminose (1987) e da mosca-dos-chifres (2003). Em sistemas de produção marcaram época o Programa Novilho Precoce, de 1994; o Programa Carne de Qualidade, em 2002, e as Boas Práticas Agropecuárias – Bovinos de Corte, em 2005.
Fizemos muito mais, como pode ser conferido em nosso livro de memórias, disponível para download em nossa página na internet. Paro por aqui apenas para fazer um registro histórico significativo.
A partir de 2004 o Brasil, que não tinha carne suficiente para o seu povo na época de fundação da Embrapa, passou a ser o maior exportador mundial deste produto, posição que mantém até hoje, mesmo depois de deixar no mercado interno 75% a 80% da produção total! Em 2020 foram exportadas 2,013 milhões de toneladas, 8% a mais que no ano anterior, em plena pandemia! O rebanho dobrou, de 107 milhões de cabeças para 214 milhões de cabeças. A idade de abate foi reduzida de 4-5 para 2,5-3 anos e o consumo de carne saiu de 18 quilos para 38 quilos! Naquela época o Brasil inseminava 243,7 mil vacas. Em 2019, apenas em gado de corte, foram 9,8 milhões!
Claro que esta evolução foi devida ao empenho do homem do campo, a evolução da indústria de insumos e das empresas prestadoras de serviço, do comércio e de políticas públicas. Não há como negar, no entanto, o efeito do uso de tecnologias geradas pela pesquisa, com contribuições significativas da Embrapa Gado de Corte. Exemplo disto é o nosso balanço social no qual se aponta um retorno de oito bilhões de reais (ano-base 2020), relativo a cinco cultivares (Marandu, Mombaça, Massai, Piatã e Estilosantes Campo Grande), ao sistema de integração lavoura-pecuária-floresta e aos touros Nelore lançados pelo Programa Embrapa-Geneplus.
Nem tudo, no entanto, foram flores ao longo deste caminho! Enfrentamos muitas crises tais como no início da nova república, com nova constituição e normas de controle de gastos, e nos períodos inflacionários e de estagnação econômica. A crise atual devida à pandemia do coronavírus talvez seja a mais grave, pela confluência de vários fatores como a falta de recursos, pela redução na arrecadação de impostos e necessidade de aporte financeiro a assistência social, a dificuldade de comunicação e de assistência aos trabalhos de campo e de laboratório somados à carência de pessoal, em função de aposentadorias, e a impossibilidade de realização de concursos públicos para reposição dessas perdas.
Nossa missão, no entanto, continua! Com valor bruto de produção de 641,4 bilhões de reais em 2020, a pecuária de corte representa 8,6% do PIB brasileiro!
No mercado externo, a demanda continua aquecida, nossos custos de produção são competitivos, mas devemos estar atentos para as exigências em qualidade, segurança alimentar, competição das proteínas alternativas e a questão ambiental.
Internamente, o Brasil pode se considerar um país privilegiado, com recursos naturais e extensão territorial que nos permite a criação das mais diversas raças, com possibilidade de atendimento dos mais simples aos mais exigentes mercados. No entanto, eventos como a migração da pecuária para as regiões centro-norte, especialmente, ante a ameaça das mudanças climáticas, sinalizam para a importância dos aspectos de adaptabilidade, não apenas dos animais, como também das pastagens. Por outro lado, com o declínio da população rural, devemos buscar soluções na automação de processos. Finalmente, o fenômeno de concentração da produção indica a premência de ações na área de transferência de tecnologia, para o resgate dos chamados “excluídos da moderna agropecuária”.
Já estamos a caminho, envidando esforços para a continuidade dos nossos trabalhos em sintonia com o setor produtivo, estreitando as nossas relações com a cadeia produtiva, para mais eficiência na transferência de tecnologia, prospecção de novas demandas e busca de parcerias, e em sintonia com o governo e parlamento para a criação e execução de políticas públicas e suporte à pesquisa.
Na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação, devemos continuar o aprimoramento da sustentabilidade dos nossos sistemas produtivos, com atenção à agregação de valor, produtividade, sanidade e segurança alimentar e nutricional, mudanças climáticas e pecuária digital. Em transferência de tecnologia, intensificaremos as nossas atividades para o desenvolvimento territorial, a inclusão produtiva, o uso e a conservação dos recursos naturais.
Temos muito ainda o que fazer!
Como gratidão, registro nossas homenagens aos que nos precederam nesta construção e a todos os que hoje lutam por este ideal, para o desenvolvimento da pecuária de corte em benefício da sociedade brasileira!
Parabéns a todos! Com pés no chão e olho no futuro, vamos em frente!
Por Antônio do Nascimento Ferreira Rosa, engenheiro-agrônomo, pesquisador da área de melhoramento animal e chefe-geral da Embrapa Gado de Corte